Madrastas, peruanas e meninas más

Por Marcelo Ferroni

5319513861_59455f714d

Em seu novo romance, Vargas Llosa volta à boa forma, misturando um thriller político -- sobre a corrupção governamental e o jornalismo sensacionalista no Peru dos anos 1990 -- a uma história com pitadas eróticas. É o 18º romance do escritor peruano. Lançado em março deste ano na Espanha e na América Latina, mês do aniversário de 80 anos do autor, Cinco esquinas se tornou sucesso imediato.

Vargas Llosa recebeu o Prêmio Nobel em 2010. Seus dois romances seguintes, O sonho do celta (2010) e O herói discreto (2013), seguiam com ênfase pelo lado do thriller político. São livros mais sérios, no caso do primeiro baseado em fatos reais, que se concentram muito na corrupção do poder e nas lutas contra o autoritarismo, e pouco mostram desse seu lado mais bem-humorado e leve. Em Cinco esquinas, no entanto, ele conseguiu aliar tudo numa só história. E com uma boa dose de erotismo, que traz à tona dois de seus grandes sucessos, Travessuras da menina má e Elogio da madrasta. É difícil ler o novo romance sem pensar neles.

Travessuras, lançado em outubro de 2006, conta a história de Lily, uma garota ousada e independente, que reencontra o narrador em diferentes momentos da vida. A cada reencontro, ela lhe conta suas novas e picantes histórias. O livro inaugurou o selo Alfaguara no Brasil, há dez anos, e ficou por meses na lista de mais vendidos por aqui.

Depois do êxito de Travessuras, a Alfaguara relançou boa parte da obra de Vargas Llosa no Brasil, incluindo títulos emblemáticos, como A cidade e os cachorros e Pantaleão e as visitadoras. Em 2009, foi a vez de um livro menos conhecido dele, Elogio da madrasta, que havia saído originalmente no Brasil no final dos anos 1980. Em seu relançamento, talvez pelo sucesso de Travessuras, e contra todas as expectativas, o livro entrou na lista de mais vendidos e se tornou um dos grandes sucessos recentes de Vargas Llosa. Ele conta a história de Fonchito, um garoto que se envolve com Lucrecia, sua madrasta, numa linha delicada entre paixão e inocência.

Agora, em Cinco esquinas, um dos fios condutores narra as aventuras de Marisa e Chabela, amigas de longa data, ambas felizes no casamento, cuja amizade se transforma quando, presas tarde da noite na casa de uma delas, e com os maridos viajando, dividem inocentemente a mesma cama. Muito próximas, silenciosas no meio da madrugada, elas lentamente começam a se tocar e, bom, fazem de tudo, menos dormir.

Em contraponto a essa relação, está a história de Quique e Luciano, os maridos, também amigos de longa data, empresários peruanos de sucesso. Quique recebe em seu escritório a visita de um jornalista do semanário Revelações, com fotos comprometedoras suas. Ele logo se vê enredado num submundo controlado pelas mais altas esferas do poder: o próprio presidente Alberto Fujimori -- para quem, aliás, Vargas Llosa perdeu as eleições presidenciais em 1990 -- e seu implacável chefe de Segurança de Estado.

A mistura desses elementos torna Cinco esquinas um livro imperdível, com muitas pitadas de outros de seus grandes temas, como o Peru corrupto e a guerra pelo poder; jornalistas que se envolvem com uma trama que não podem compreender; um país rural e violento, mas também surpreendente.

 

* * * * *

 

Marcelo Ferroni é publisher da Alfaguara e autor dos livros Método prático da guerrilha Das paredes, meu amor, os escravos nos contemplam, publicados pela Companhia das Letras.

Neste post