Bambolê é bambolê

Noemi Jaffe

 

Não sei o nome desses brinquedos antigos, feitos originalmente de madeira, mas depois também de plástico, que têm uma base arredondada e mole, feita para que a pessoa aperte, o que, por sua vez, faz com que o bonequinho que se equilibra sobre essa base - vaca, burro, um pinóquio - mexa os braços, a cabeça, o rabo e as patas.

Bambolê é bambolê, pião é pião, ioiô é ioiô, bilboquê é bilboquê e pipa é pipa. Mas esse brinquedo é aquele-que-tem-uma-vaquinha-e-a-gente-aperta-embaixo-sabe?-que-a-gente-brincava-antigamente?

Eles não têm nome e eu tenho uma coleção grande deles.

São zebras, girafas, gêmeos, palhaços, robôs, cachorros, leões, pequenos grupos, sapos, dinossauros, seres imaginários, soldados, caranguejos, ratos, malucos e, claro, vacas, burros e Pinóquios.

Brinca-se com um desses por pouco tempo. São engraçados, bem ou mal feitos e algumas pessoas têm maior destreza no seu manejo, fazendo com que o boneco pareça realmente se mover. Com vários deles, como é o meu caso, é possível fazer um teatro para crianças.

Também não sei como essa coleção começou, mas gosto de tê-la e criei um móvel especial para guardá-la.

Em geral, coleções sem valor - como é o caso - são a própria linguagem da inutilidade. Denotam uma mente diletante e perdida nos intervalos da produtividade, encontrando aplicações possíveis para coisas não aplicáveis. O termo "aplicativo" talvez seja o antônimo perfeito para o termo "coleção", que é um conjunto interminável de coisas que não servem para nada.

O colecionador observa a obra adquirida ao longo de anos, sabe que ela nunca estará completa e não tem pressa nenhuma: nem de aumentá-la e muito menos de completá-la. Ela não tem fim. Nem começo.

Esses brinquedos que observo e que reúno, quando olho para eles, são ao mesmo tempo alegres e estranhamente tristes. Uma parte minha que o tempo juntou e que forma um legado como o de um palhaço aposentado: estão em permanente estado de alegria estática. Mas se os retiro do móvel, mostro para minha sobrinha ou brinco um pouco com eles, eles se dinamizam e de novo viro uma dançarina de circo ou uma senhora meio boba.

Às vezes me canso deles: são o que fui, não sei se mais o que sou.

Uma amiga argentina muito querida, Ivana Vollaro, me chama de cronópia e eu retribuo o elogio a ela. Ser cronópia é um anseio a que nem sempre faço jus; o melhor que alguém pode ser.

Os dias, o presidente e seus filhos, a esquerda desfeita e "minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos" têm pesado sobre a alma e as pálpebras.

Mas estão aí os brinquedos, a coleção e a possibilidade de ser cronópia. Sempre um alívio.

 

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Noemi Jaffe é escritora, professora e crítica literária. Escreveu Não está mais aqui quem falouÍrisz: as orquídeas e O que os cegos estão sonhando?, entre outros. Dá aulas de escrita em seu espaço, a Escrevedeira.

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