7 perguntas que a internet me fez: um experimento (parte 2)

Luisa Geisler

 

Olá, internet.

Voltamos.

Acho que vocês nem lembram mais do post anterior do post anterior, em que vocês perguntaram coisas e eu respondi. Tudo isso porque tenho medo de falar coisas que não interessam e ser incrivelmente chata. E confesso que nem eu acredito que sobrevivemos dois meses desse mundo (e Brasil, por óbvio) maluco a ponto de vocês não só ouvirem minhas maluquices naquela época, quanto até agora.

Sobrevivemos.

Vamos à parte final das maluquices que vocês perguntaram, e minhas tentativas de responder do melhor jeito possível. 

A respeito desse post: avisem nos comentários, no meu Twitter ou no Instagram ou no Facebook ou em e-mails raivosos para a Companhia das Letras se foi minimamente legal ler esse post. Se houver interesse, podemos fazer mais seguido, pensar em questões mais específicas, estender coisas aqui. Nem sempre eu acho meus assuntos dos mais interessantes.

Aliás, o “raivosos” foi uma brincadeira. Não mandem e-mails raivosos. Todo mundo está tentando o melhor que dá. 

 

1. "Como você organiza um horário para escrever sendo que trabalha e estuda? Falta tempo :’(" (de paginasxpensamentos)

Eu me forço a ter horários. Eu me forço a ter uma rotina de escrita. É que nem ter horários de academia. Você não quer ter. Você queria já ter músculos e força, não ter que levantar aquele pesinho idiota de dois quilos. Eu não quero escrever, na maior parte do tempo. Ser escritora foi uma decisão arbitrária em algum momento da minha vida e aí já era. Se for meia página por dia (uns quatro parágrafos), em um ano dá 182 páginas. Levante o pesinho de dois quilos, escreva a meia página.

 

2. "Algum dia vou perder a vergonha/ medo do que escrevo?" (de jubabocon)

É uma habilidade que só se aprende por exposição. Eu nunca perdi. Só aprendi a ignorar melhor. Mas até hoje não consigo lidar com outras pessoas lendo textos meus em voz alta.

 

3. "Tu faz no word mesmo? Hehehe" (de gab.musik)

No Word mesmo. Às vezes em cadernos, a mão (que passo a limpo no Word). Às vezes no WhatsApp em mensagens pra mim mesma. Bloco de notas pra rascunhos de e-mails.

Quando tratei de estruturar o De espaços abandonados, precisei do Scrivener. O Word às vezes não lida bem com grandes quantidades de texto, e com lidar com eles em blocos, mudando-os de um lugar pro outro. Isso é importante quando seu livro é experimental e com um original de 600 páginas. Pessoalmente, eu gosto do Word pra escrever, me acostumei, sei lá. Não consigo nem tirar a régua.

 

4. "Faz sentido insistir em concursos literários, tipo Sesc, ou logo publicar independente?" (de alexandrelucchese)

Eu acho que concursos literários fazem sentido sim. É claro que, ultimamente, perdemos algumas bolsas importantes de criação, que já eram uma miséria pra começo de conversa. Mas o oceano de originais é tanto que às vezes um aval, por menor que seja, já dá uma ajuda a selecionar pro leitor. Publicar independente pode ser bom se for uma editora que fizer um trabalho legal, se editar o livro, se pensar o livro com o autor. Se for só uma gráfica com cara de editora, não vale o desgaste (e gasto). No processo de edição de livros, a pressa é bem contraproducente. Vale tentar todos os prêmios de originais possíveis por pelo menos um ano, ver se alguma editora abre chamadas. Nada no meio literário funciona rápido, eu acho, e é uma lição a se aprender cedo.

 

5. "Vamos lá: quando a gente sabe que o livro tá pronto, que não precisa mais de edição e de loucura?" (de andersonemartins)

Depende do livro. Próxima pergunta.

Brincadeira. Antes de eu começar a escrever, eu determino aonde o texto vai. Eu peso cada capítulo, a utilidade de cada frase para o leitor. Lembre-se de que você terá um leitor. Com isso em mente, ao reler, tento ver isso. Quando a resposta em termos de conteúdo e objetivo é satisfatória, está pronto pra outros olhos. Pelo menos umas duas boas releituras (sem grandes alterações) são necessárias. Aí manda pra outras pessoas também.

Isso soa lindo na teoria. Na prática, é quando não consigo mais me lembrar se fiz ou deixei de fazer alterações. É quando não consigo nem entender mais minhas próprias frases, porque todas soam clichês porque eu já reli todas a ponto de perderem o sentido. Mas todo término de livro é um surto. E é um surto diferente, uma certeza diferente de que não vai dar certo. Eu digo: “Eu sei que eu já surtei e disse que nunca mais ia escrever nada nos meus últimos oito projetos literários, mas agora é pra valer. Eu não nasci pra isso.” Sempre. E sempre arranjo uma desculpa nova pra por que vou largar a literatura. E volto. Tente não acreditar muito em surtos. Tente não fazer nada que vá se arrepender. Tente não passar de dois surtos. Se você já surtou, acho que está pronto. 

 

6. "Quando começa a ganhar dinheiro" (do desgraçadinho tbscrvlh)

Nunca.

 

7. "Como é ser jurada de concurso? O que levam em conta?" (da geovannaferreirass)

Depende do concurso, acho. Depende se é um prêmio de originais, se é um prêmio de estudantes universitários, se é de livros publicados. Num prêmio de originais, toleram-se mais erros de digitação do que um prêmio de livros publicados, por exemplo. Claro que erros de digitação nunca são bons. Em geral, eu levo em conta primeiramente aspectos literários: de narrativa, de ponto de vista, de linguagem, de como aquele livro pensa o fazer literário de um jeito diferente do formato que já é feito. Ou quão bem o livro executa este fazer literário. Mas isto são critérios meus. Por isso que tem mais de um jurado. Pra lutarmos até a morte.

 

8. "Residência literária ajudou muito?" (da bbronstrup)

Eu acho que ajuda se a pessoa for com um projeto. Eu fiz uma residência no interior de Nova York, na OMI Ledig House, e agora em maio estou indo para uma em Buenos Aires, em parceria com o museu MALBA. Meu período de mestrado, na Irlanda, foi muito frutífero também. Eu gosto por conta do sair da zona de conforto, até do meu idioma de conforto. Eu consigo pensar melhor os eventos quando estou longe deles? Isso ajuda a me repensar como escritora. E em todos os casos, o lugar da residência teve/ tem a ver com os livros em si. Mas não acho que seja estritamente necessário. O Luzes de emergência se acenderão automaticamente foi escrito sentada no chão no Trensurb e em aulas de direito internacional. É mais uma coisa de escritor privilegiado, que pode sair por cinco semanas e deixar os gatos com o mozão.

 

9. "Você que é a Marie Curie do Prêmio Sesc, qual dica #1 que você daria pra um escritor iniciante? (:" (do josue_pj_freitas)

Ler como um escritor e escrever como um leitor. Fazer oficinas ajuda, reescrever, aprender a conhecer o próprio texto, isso tudo ajuda. No campo menos intelectual, recomendo exercitar os pulsos, com frequência pra evitar a dor, e ter bastante persistência.

***

Luisa Geisler nasceu em Canoas (RS) em 1991. Publicou Contos de mentira (finalista do Jabuti, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura), Quiçá (finalista do Prêmio Jabuti, do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Machado de Assis, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura). Seu último livro, De espaços abandonados foi publicado pela Alfaguara em 2018. Tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Atlântico) e acha essa imagem simpática.

 

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