Diários do isolamento #96: Jessé Andarilho

Diários do isolamento

Dia 96

Jessé Andarilho

 

Ultimamente a galera tem pegado no pé das igrejas porque os políticos perdoaram as dívidas dos pastores e isso causou uma revolta nacional.

Eu também não concordo com esse perdão da dívida, assim como não concordo com um montão de perdão que o governo dá para empresários ricos. Só que quando o assunto é Jesus, a polêmica é bem maior.

Falar mal das igrejas não vai te levar a lugar algum. Toda favela tem mais de vinte igrejas. Qual foi a última vez que você pisou num chão de barro e trocou uma ideia com um cria?

Já vi muita gente recuperada das drogas e que teve a vida mudada por conta das ações de igrejas e pastores. Acredito muito no trabalho social que algumas igrejas promovem. Conheço muitos pastores que são realmente pessoas de bem.

Mano Brown deu o papo e parece que ninguém escutou. Tem muito pastor ponta firme que fortalece os irmãos e as irmãs, assim como em todas as outras religiões, organizações e partidos.

Os crentes são a maioria da população. Jesus é maneirão, cuidado pra não entrar no jogo do "inimigo" e se queimar ao atacar os evangélicos. A bancada evangélica só cresce e eles se fortalecem com a narrativa nossa de cada dia.

Crivella na eleição passada levantou a bola pro Freixo no primeiro turno e depois usou as igrejas contra o PSOL, dizendo que o partido ia governar fazendo apenas coisas que desagradam a Deus.

Nem sei porque tô passando essa visão, já que vocês são da academia e já sabem de tudo. Sabem tanto que se o Eduardo Paes for preso, a segunda opção da galera é o Crivella.

Tenta sair da bolha e fazer algo além do pensamento do grupinho aí do seu condomínio. O bagulho tá doido e vocês estão só entrando na pilha errada.

Se lembram da Damares falando que meninas vestem rosa e que meninos vestem azul? Agora me responde uma coisa. Quem era Damares antes disso?

Vamos parar de divulgar essa galera. Bolsonaro era o bobão do Super Pop e do CQC. O deputado fulano de tal que quebrou a placa da Marielle em um comício foi o mais votado no Rio de Janeiro porque a esquerda fez questão de postar a foto dele com nome e número do candidato.

As igrejas são usadas numa guerra em que os fiéis são os soldados que derrotam os "inimigos" nas urnas. E os políticos profissionais como Eduardo Cunha, por exemplo, sabem usar isso muito bem.

Cuidado com os monstros. Vamos parar de alimentar essa galera. Não caiam novamente na armadilha. Falo isso pelo nosso bem. Ao invés de falar mal de pessoas do mal, vamos falar de pessoas do bem.

Nossas ações boas têm que reverberar muito mais do que as merdas que a outra galera faz. Nossa caça de like tem que ser aliada com projetos e ideias que fortaleçam o nosso povo e transformem realidades.

Conhecereis a verdade e ela vos libertará.

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Jessé Andarilho nasceu em 1981 e foi criado na favela de Antares, no Rio de Janeiro. Filho de vendedores ambulantes, trabalhou com diversas atividades na sua comunidade, até ler seu primeiro livro, aos 24 anos. Foi quando, no trajeto de aproximadamente três horas que fazia de trem de sua casa até o trabalho, passou a usar o bloco de notas do celular para contar histórias. Dessas anotações surgiu o romance Fiel, publicado pela Objetiva em 2014. Em 2015, foi convidado para integrar o grupo de redatores da novela Malhação, da TV Globo. Foi diretor de reportagem do programa Aglomerado, da TV Brasil, e produtor da Cufa – Central Única das Favelas. Fundou o C.R.I.A., Centro Revolucionário de Inovação e Arte, e o Marginow, com a proposta de dar visibilidade aos artistas da periferia. Em 2019, publicou, pela Alfaguara, seu segundo romance, Efetivo variável. Atualmente, Jessé Andarilho realiza palestras em todo o Brasil, contando um pouco da sua história e mostrando como sua vida foi transformada pela literatura.