3 desculpas para não ler livros de contos (e 3 respostas-livro)

Luisa Geisler

Como autora, tenho cinco livros publicados. Meu primeiro, Contos de mentira, é de contos. Um dos últimos, De espaços abandonados, apesar de categorizar como romance, gosto de pensar que é um híbrido — em especial por incluir um livro (fictício) de não-ficção que é um manual de escrita. De qualquer forma, sou grande leitora de contos, não apenas livros de contos isolados, mas livros de contos. Há uma beleza numa unidade de várias histórias, independente de terem uma unidade temática ou não. O fato de unirmos contos A, B e C na ordem X, Y e Z é uma narrativa complexa também, cria um efeito no leitor.

Na minha experiência como autora, muitas vezes o conto é estudado na escola por ser uma leitura mais rápida, mais fácil de dividir entre alunos, uma forma de conhecer apenas um recorte do autor. Não pela beleza e propriedade do gênero em si.

Mas o fato é que livros de contos vendem menos que romances — o que quer dizer que há menos leitores interessados. Aos que estão nos comentários dizendo “pois eu leio contos pipipi popopó”, pergunto: quantas pessoas vocês conhecem que leem livros de contos? Eu sei que já estamos num recorte de pessoas que leem ficção, mas este é o blog da Companhia das Letras. Estou partindo do princípio que meu querido leitor aqui também é leitor fora daqui.

Resolvi, então, compilar as desculpas que ouço ao longo da minha vida e carreira de gente que não gosta de ler livros contos, ou que opta por ler romances. Talvez você só não tenha o hábito de ler livros de contos e este seja o convite ideal.

A desculpa que mais ouço é a de que “eu prefiro me envolver com uma história inteira”. Ora, se este é o caso, eu convido a ler Alice Munro. Alice Munro, a única ganhadora do Nobel de Literatura a escrever única e exclusivamente contos. Precisa de um livro? Recomendo Felicidade demais, de 2010. Mas, pessoalmente, recomendaria todos de Alice para quem tem este tipo de mentalidade. As histórias têm uma prosa gostosa na sua simplicidade, observando complexidades humanas a cada parágrafo. Não são muito curtas, mas não são exatamente novelas. São novelinhas — noveleletas, como uma vez brincou João Vereza em um título seu. Se o que você sente falta em um conto, ou livro de contos, é essa aproximação, este mergulhar na história, não vai faltar isso nos contos de Alice Munro.

 

Por outro lado, muitos não gostam do formato do conto contemporâneo pela sensação de que “nada acontece”. Para começo de conversa, é uma afirmação falaciosa, porque tudo sempre acontece — só nem sempre na superfície. Mais falacioso ainda é achar que este fenômeno do subtexto só existe no conto. Mas, se você quer um pouco de ação na superfície além de na interioridade dos personagens, sugiro a leitura de A fúria, de Silvina Ocampo. Irmã de Victoria Ocampo, esposa de Adolfo Bioy Casares, amiga íntima de Jorge Luis Borges, Silvina Ocampo não é muito difundida no Brasil. É elogiada por Bolaño, com uma voz muito particular em seu olhar das normas cotidianas, com ares um pouco mágicos. Tem crianças endiabradas, aniversários perturbados, platitude e caos. Não se pode dizer que “nada acontece” nos contos de Ocampo — pelo contrário.

 

Por último, uma queixa que ouço de não-leitores de livros de contos é que eles gostam de se “apegar a um personagem”, de segui-lo. Para estes, sugiro As pequenas virtudes, de Natalia Ginzburg. Não sei se chamaria de coleção de contos, de coleção de ensaios autobiográficos, mas são sempre com olhares e flertes potentes com a ficção. Há uma personagem e há vários personagens. Finda leitura, o leitor acaba se sentindo muito próximo do narrador no final da leitura, de uma Natalia Ginzburg fictícia, de uma eu-lírico precisa nas informações que nos dá. O leitor se sente perto de um tema, da falibilidade humana como protagonista; quer a nomeie Natalia ou a nomeie uma entidade que nos une.

 

Se nenhum desses livros ou argumentos convenceu, ou se você já lê contos com assiduidade e achou as indicações até mesmo óbvias, se você quer algo inesperado, também tenho uma solução: Sobre os canibais, de Caetano Galindo. São 42 relatos rápidos de um autor que me dá raiva pelo excesso de talento. Além de traduzir belamente de James Joyce a T.S. Eliot, ele consegue desafiar o próprio formato do conto. Se você não gosta de contos por causa de todos os  contos que já leu, este livro certamente vai ser diferente. Se você gosta de contos por causa de todos os contos que já leu, este livro certamente vai ser diferente. E por isso é excelente.

 

Há uma beleza em livros de contos que nenhum outro gênero nos traz. O conto permite uma participação maior do leitor, não apenas por ser “uma história mais curta”. Inclusive, muitos romances englobam menos tempo que um conto, com personagens menos complexos. Se você não lê muitos livros de contos, convido a repensar os preconceitos. Não é um gênero de “quem está começando”. A única pessoa que estará sempre começando em seus preconceitos será o leitor.

 

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Luisa Geisler nasceu em 1991, em Canoas, Rio Grande do Sul. É escritora e tradutora. Autora de Luzes de emergência se acenderão automaticamente (Alfagura, 2014), De espaços abandonados (Alfagura, 2018) e Enfim, capivaras (Editora Seguinte, 2019), foi duas vezes vencedoras do Prêmio Sesc de Literatura, além de finalista do Prêmio Machado de Assis, semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura e duas vezes finalista do Jabuti. É mestre em processo criativo pela National University of Ireland. Tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Atlântico) e acha essa imagem simpática.

 

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